História Experimental: Vosso Monstro pt. I

Eram dias belos aqueles. Te observava enquanto levantava-se. Fingia estar dormindo, pra mais tempo ter para ti mesma. Tu sempre esticava teus braços o máximo que podia, bocejava abrindo bem aqueles teus lábios finos com curvas nos cantos da boca que emolduravam tua face singela. Teus grandes olhos ainda enchem meus pesadelos, desenho-os nas paredes do quarto, como para tentar expulsar tal imagem de minha memória. Mais ainda, tento expulsá-los de minha alma. 

Lembro-me de teus amanheceres tanto quanto vosso adormecer ao meu simples lado. Vossa respiração misturava-se à minha antes da noite nos alcançar. Dormia respirando o mesmo ar que a ti preenchia os pulmões. Sonhava sonhando os mesmos sonhos que a ti inspiravam à vida. Soube no momento em que a vi, pela primeira e pela última vez, uma mesma coisa: Que eu a amaria até não mais respirar. Sorte que sei segurar a respiração e isto que pensei não foste para sempre. Se não, me mataria. Como matou naquela cidade onde os pobres de alma são massacrados.

Nem sempre fui quem tu vias. Na verdade, apenas fui aquele rapaz sincero quando mais novo era. Quando havia conhecido a ti na cidade em que as Abóboras são contadas infinitamente. Mal sei porque interpretei tal personagem... Talvez fosse medo de perder-te depressa demais para quem na época eu era... Talvez fosse medo de que teus olhos revelassem nojo ou pena, ao invés de amor. Mas deves saber, sempre alertei-lhe que convivias com um monstro. Um monstro nada tem além de máscaras. As quais usa a seu bel-prazer. Um monstro conhecestes afinal, talvez agora saibas reconhecer quando observas um.

Foi deveras difícil, porém, deixar de ser um desses lobos em pele de cordeiro. O caminho que tomei para transmutar-me em monstro foi deveras fácil, se comparado ao caminho que tomo já há dois anos para deixar de ser um. Todas as lembranças trazem tormento à minha alma e toda dor é uma nova faca em minhas entranhas. As noites chegam e tenho medo profundo de adormecer. Nos meus sonhos, vejo a ti. Rasgar-me a barriga e deixa o sangue escorrer, não compara-se a dor disso. Espero que não tenhas te tornado um monstro também. Realmente espero tal.

Não há mistério aqui. Há apenas um monstro que pelas primeiras vezes, contempla-se no espelho de seu próprio passado. Refletes tal que seu corpo o rejeita, sua alma se ausenta e sua mente é inquieta. Meus pés o levam a mil lugares, mas minha alma continua em apenas um: No Inferno.

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